quinta-feira, setembro 01, 2005

A carta de condução informática

Se uma pessoa quer conduzir um carro, é obrigada por lei a assistir a aulas de código e aulas de condução, ou seja, aprende um pouco de teoria e um pouco de prática. Não quer com isto dizer que saiba construir um carro novo, mas fica a saber utilizá-lo, espera-se que pelo menos, minimamente.

Com os computadores isso não acontece. Uma pessoa decide que quer um computador. Ouviu o vizinho dizer que dá para fazer umas coisas engraçadas, como navegar na Internet, ver filmes, ouvir música, fazer os trabalhos de casa,... daqui a nada parece um anúncio da Tampax. Mas contrariamente ao que acontece para conduzir um carro, não é obrigatório ter conhecimentos mínimos para poder utilizar um computador. Fica já aqui um aviso para as pessoas que ainda não perceberam a diferença: Um computador não é uma torradeira nem uma aparelhagem!!!

Existem alguns temas que considero essenciais dominar, para quem precisa de começar a manusear um computador, independentemente do sistema operativo utilizado:


  1. noções acerca do sistema de pastas e ficheiros (criar, gravar, apagar, alterar o nome, etc);


  2. configurar a rede (por telefone, por cabo, IP fixo, IP dinâmico, sem fios);


  3. configurar o Firefox (não disse IE, foi de propósito! ;));


  4. entender como funciona o correio electrónico e configurar um cliente respectivo (POP ou IMAP), preferencialmente o Thunderbird ;).



Curiosamente as pessoas aprendem outras coisas primeiro, como por exemplo: messenger, ouvir rádios online, mp3, jogos, piratear CDs, etc. Hoje em dia, saber gravar um CD ou DVD também é importante, senão abre-se a oportunidade para a realização de perguntas idiotas como se pode observar na figura a seguir.



Mas nada disto acontecia se existisse uma carta de condução informática (CCI) obrigatória, para os interessados em comprar um computador. Imaginem o seguinte cenário:


(Um cliente interessado entra numa loja de informática e dirige-se a um vendedor)

Cliente: Olá, bom dia.
Vendedor: Bom dia. Posso ajudá-lo em alguma coisa?
Cliente: Queria comprar um computador. O que me aconselha?

(Só esta pergunta já denuncia um potencial poço de problemas!!!)

Vendedor (Já com cara de desconfiado): Posso ver a sua carta de condução informática?
Cliente (atrapalhado): Não tenho. É preciso?

(E agora o complemento Português)

Cliente: Ande lá. Faça-me o "jeitinho"...

Vendedor (A ficar arreliado): O senhor primeiro precisa de tirar a CCI e depois então passe por cá. Para já, "desampare-me" a loja!!!

(O cliente sai cabisbaixo...)


A CCI é o Santo Graal dos profissionais da área que todos os dias aturam situações que podem ir do cómico ao ridículo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente contigo! Apesar de achar que a CCI deveria chamar-se CUI - Carta de Utilizador Informático e deveria ser obtida nos primeiros anos de aprendizagem, isto é, nas escolas.

O esforço que se têm vindo a fazer na informatização das escolas não é suficiente e apesar de ser cada vez mais vulgar haver um PC em cada casa nem todos têm acesso a um computador!

A verdade é que os miúdos hoje em dia estão mais informatizados que os seus pais e quando falamos de computadores com eles por vezes até sabem algumas coisas que nos espatam... Por isso este será um problema que se esbaterá a longo prazo. No entanto, a Educação informática será o novo cavalo de batalha e mesmo dando condições (PC's) às escolas para que os seus alunos não sejam discriminados e todos possam ter acesso à tecnologia, será necessário alguém que lhes possa dar a dita educação informática.

Talvez aí possamos ter a CCI - Carta de Conduta Informática ;-)

Nuno Flores disse...

Rui, deixa-me expôr outros pontos de vista:

a) Em primeiro lugar, concordo com o comentário anónimo anterior que invoca uma resolução a longo prazo recorrendo ao aspecto geracional e a que daqui a umas décadas estes episódios não se repetirão. (Provavelmente outros, num nível de superior de conhecimento, pois a batalha de nivelar a cultura portuguesa trava-se (ou não) a muitos níveis e contextos, mas enfim...)

b) Não li ou olhei para estudos feitos nesse sentido, mas aposto que a razão principal pela qual existem help-desks ou ajuda telefónica e outros serviços similares são estes casos. Claro que o que apresentas como exemplo é mesmo ridículo, pois é mais uma questão de linguagem do que outra coisa ("para gravar preciso de um gravador?? e já agora para ler, preciso de um leitor??). A verdade é que a ignorância informática anda de mãos dadas com o deslumbramento tecnológico. Ou seja, as pessoas estão tão habituadas a que a tecnologia esteja tão à frente (sobretudo à frente do seu conhecimento) que quando confrontadas com a sua própria ignorância, pode aconteçer isto:

- "Para gravar preciso de um gravador?!?! Já reparaste bem no que disseste??!?!"
Depois de pensar um pouco, responde: "Eh pá! Com isto agora da tecnologia já se faz tudo! Às tantas já se podia gravar sem ter um gravador...eu sei lá..."

É triste, mas é assim que muita gente pensa.

c) Não concordo que a dita "CCI" fosse impeditiva de comprar um computador. Eu para comprar um carro não tenho de ter a carta de condução. Já para não falar no impacto económico que isso iria ter.
c1) Primeiro, as empresas de venda de hardware não iriam concordar com isso pois seria cortar-lhes em grande parte a vantagem competitiva que tinham: (1) perderiam compradores pois estavam à espera que este "tirassem a carta" e (2) o telefone do help-desk iria apanhar pó muito rapidamente, assim como as receitas daí advindas.
c2) Segundo, surgiriam mais "escolas de condução" e "institutos" para "tirar a carta de computador". Mais má formação, mais uma oportunidade de negócio, mais publicidade enganosa, mais indecisão por parte do cliente em qual escolher, mais burocracia, mais inércia e entropia nas futuras compras de computador.
c3) Mais propensão à corrupção. Mais cartas "falsas", mais "faça-me lá o jeitinho". Mais "eu trago-lhe a carta amanhã quando o vier buscar", enfim, mais um poço de burocracias, picuinhices e outras que tais...

A não ser que os ganhos já existentes para todos os intervenientes fossem igualmente (de preferência, superiormente) compensados com a introdução da CCI, então aí sim as coisas poderiam resultar.

d) E já que falamos em computadores pessoais em casa, podemos traçar um paralelo aos outros produtos de ter por casa. Um computador é como outro qualquer electrodoméstico, seja uma televisão, um leitor de dvd, um video, etc. Simplemente, é mais complexo. (Ou não, se o seu sistema operativo for user-friendly, e seja só ligar o power e já está, mas não quero entrar por aí). Agora, a diferença está em que um PC não vem com manual de instruções, ao contrário dos outros que apenas tem um modo de operar, porque não tem a possibilidade de ter inumeras aplicações. Daí cada aplicação vir com as suas instruções. Agora, concordo que os PCs poderiam vir com uma melhor explicação no seu todo, dos seus componentes de hardware (pelo menos os mais externos e de uso mais frequente e interactivo pelos utilizadores). É verdade que os PCs já trazem isso (muitas vezes os chamados "Quick Start Guide") mas ainda sofrem de muitas lacunas. Creio que aqui é o eterno problema do RTFM ("Read the F**** Manual"), as pessoas não tem pachorra nem paciência de ler os manuais e ficar a par das questões. Querem ligar e pronto, já está. (Algo que abona em favor de um certo sistema operativo)

e) Sim, Rui, as pessoas compram computadores para tirar musica da internet, gravar cds, ouvir radios online, jogos, namorar, conhecer pessoas, navegar na internet, ver o mail online, descarregar as fotografias da máquina, ver divx, e outras que tais. Uma solução rápida seria o computador vir com um manual de FAQs e "Aprenda como fazer isto tudo" nestes contextos e seria um sucesso. Porque é que achas que o portátil que eu comprei (apesar de eu nem sequer olhar para isso) tem o slogan gravado na cobertura do teclado "ASUS A6000 Series ENTERTAINMENT Notebook : Visual Indulgence Anywhere"? É porque hoje em dia o que é multimédia é que vende. As pessoas comprar os computadores pelas "brutas placas de video de muitos mega de memória com aceleração e resolução que um pixel é mais pequeno que um quark", pelas "brutas placas de som dolby-surrond 23.0, que precisas de umas brutas colunas de n MW de potência espalhadas pela sala para ouvir o som cavernoso e funesto de um demónio do DOOM3 ou o vrumm de um bólide qualquer de um jogo de carros". É isto que vendo computadores hoje em dia. Basta ver a faixa etária que os compra: jovens e adolescentes em idade de jogar. E os adultos, com parcas condições financeiras, e que querem o computador também para trabalhar, tenta juntar o útil ao agradável porque o "raio do puto lá em casa quer jogar o Descent IV e o SIMS Online e não se cala por nada." Já para não falar no Modding, o "Tuning" para PCs, mas pronto, não vale a pena ir por aí.


Em jeito de conclusão , claro que para quem lida todos os dias com este tipo de situações, uma solução dessas era um "oásis no deserto". E compreendo a necessidade por detrás de uma coisa destas, mas também compreendo que há muita gente a ganhar com isso, e muita gente a divertir-se com isso também. Portanto, enquanto a função-utilidade continuar a beneficiar mais gente do que a prejudicar, nada se irá fazer.

Anónimo disse...

Tenho a impressão que a razão pela qual há uma carta de condução automóvel e não há uma carta de utilização de moto-serra (acho eu :-) tem a ver com o facto de ser muito mais fácil e frequente alguém matar outra pessoa ao volante do que encarnando as fantasias dos realizadores de filmes de terror. Algo parecido acontece com os computadores: utilizadores pouco esclarecidos são aborrecidos mas relativamente inofensivos. Aqueles a quem se gostaria de "tirar a carta" (em termos informáticos) são os que em primeiro lugar se assume não necessitam dela.