quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Estamos salvos...

O Sr. Bill Gates veio de visita a Portugal para estar presente na 3ª edição do Government Leaders Forum, evento organizado pela própria Microsoft. Aproveitando a sua presença por cá, foi distinguido com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, entregue pessoalmente pelo nosso ainda Presidente da República, Jorge Sampaio.

Depois de me ter informado sobre as obras humanitárias nas quais tem participado, juntamente com sua esposa, tenho de concordar que o Sr. Bill Gates merece as distinções com as quais tem sido agraciado. Além disso, fico francamente satisfeito por saber que pessoas realmente necessitadas, com fome ou com doenças graves, estão a ser ajudadas com o dinheiro que ele doa.

E depois disto dito, o outro lado da questão. O Sr. Bill Gates é extremamente inteligente e não enriqueceu dando dinheiro sem tirar excelentes contrapartidas. Para começar, apenas os ricos criam fundações para ajudar os mais necessitados. Porque será? Não tenho a certeza mas parece-me que existem grandes benefícios fiscais para as quantias doadas. Em segundo lugar temos a dimensão da fortuna. O Sr. Bill Gates podia doar diariamente 2 milhões de dólares que isso não afectaria a sua qualidade de vida. No entanto, a maioria dos portugueses não pode doar nem 100 euros sem ficar na penúria para o resto do mês. Além disso, é interessante constatar que os prémios que o Sr. Bill Gates recebe são pelas suas generosas doações e não, que eu saiba, pela qualidade dos produtos que vende. O que me leva a outro ponto da questão. Como foi que o patrão da Microsoft conseguiu criar tal fortuna?

A Microsoft domina o mercado e qualquer empresa gostaria de poder dizer o mesmo. No entanto, existem regras de mercado que as empresas têm que cumprir ou são penalizadas pelos respectivos governos. Bem... todas, todas, não! A Microsoft sempre conseguiu levar avante os seus planos monopolistas e anti-concorrência impunemente. As desonestas tácticas que já fazem parte da história vêm desde a década de 70. É interessante constactar como o Sr. Gates arruinou a Digital Research (DR-DOS) com um produto muito inferior (MS-DOS) em http://www.cadigital.com/kildall.htm.
Muitas empresas foram à falência e muitas pessoas perderam os seus empregos para que a Microsoft pudesse ser o que é hoje.

A Microsoft não tem respeito pelos interesses dos seus próprios clientes. Todos os utilizadores sabem que o Windows é o sistema operativo mais inseguro do planeta (discorda? Então entre em contacto comigo. Tenho uma ponte para vender!). Este sistema não pode ser ligado à Internet, sem ter um programa anti-vírus, um programa anti-spyware e uma firewall. Existe uma indústria inteira a viver à custa dos problemas de segurança do Windows. É preciso prova maior? No entanto, apesar de todos estes problemas, o Windows é o sistema operativo mais utilizado do planeta. (Não dá para perceber...estão todos a dormir?). Mas o desrespeito pelos seus próprios utilizadores não parece ter limites. Recentemente a Microsoft anunciou mais uma fabulosa inovação na área da segurança. O Microsoft Windows OneCare. Esta aplicação, mediante o pagamento de uma subscrição, protege o Windows de vírus e de outros problemas derivados da fragilidade do mesmo. Como?? Vamos ver se percebi. Compro um sistema operativo cheio de problemas e depois subscrevo um serviço pago cuja função é proteger a minha máquina dos problemas de segurança iniciais!?!? Ninguém acha isto estranho e ridículo? (Não?! Entre em contacto comigo. Tenho para venda a Torre dos Clérigos! Ver hoje.). Porque é que a Microsoft, simplesmente, não corrige os problemas existentes?

O plano, não o tecnológico, mas o pessoal do Sr. Bill Gates é, como não podia deixar de ser, fidelizar futuros utilizadores no seu defeituoso sistema operativo e restantes ferramentas. E Portugal, mais uma vez, dá pulos de alegria com esta iniciativa. A Microsoft apenas escolhe Portugal para lançar estas iniciativas porque o nosso país tem boas condições para ser cobaia. Se a experiência correr mal, o resto do mundo não quer saber, se correr bem, fantástico! Mais umas centenas de utilizadores fidelizados. Alguém se lembra, numa das anteriores visitas (1984, acho), que o Sr. Bill Gates veio a Portugal para lançar um serviço inovador de televisão digital em parceria com a TV Cabo? Nunca mais ouvimos falar disso. Deve ter corrido mal!

A Microsoft vai pagar cursos de tecnologias de informação para uma quantidade enorme de candidatos. É para a menina e para o menino. É para desempregados e para estudantes. De pequenino é que se torce o pepino e portanto toca a contribuir com 1000 salas TIC para os meninos aprenderem a mexer no Windows. Lá diz o ditado: as crianças são o futuro, quero dizer, futuros compradores de produtos Microsoft. Senhores gestores de escolas públicas: Já repararam que o preço de um computador novo com Windows dá para comprar dois computadores novos sem sistema operativo? E se estes tiverem também o Microsoft Office até dá para comprar três. Lembrem-se que existem alternativas gratuitas, imunes a vírus, muito mais adequadas para o meio educativo. Além dos estudantes toca a contribuir também para a formação de alguns desempregados. Pode ser arranjem um novo emprego e precisem de um computador. Com Windows? Claro! Também ouvi falar de cursos em algumas Universidades por este país fora. Deviam ter vergonha! Poderiam, por favor, explicar-me como é que pode criar um curso de nível universitário baseado num sistema operativo fechado desenvolvido por uma empresa que não respeita os standards existentes, alterando-os de forma a incompatibilizar produtos concorrentes.

O que me irrita mais é a forma como os nossos políticos se comportam nesta situação. Parecem crianças em redor de outra que tem rebuçados para distribuir. Esses rebuçados vão ser pagos, mais cedo ou mais tarde, e não serão baratos. Inocentes!!! (Tinha melhor opinião do Dr. Mariano Gago) Se estivessem atentos ao que se passa noutros países, também com dificuldades económicas, veriam que é possível reduzir a despesa pública e a info-exclusão utilizando software gratuito de qualidade. Verifiquem o que se está a passar, por exemplo, no Brasil e na Argentina. No Brasil, o governo brasileiro colocou em prática um plano que permite às famílias menos afortunadas comprarem um computador por um preço baixo, com taxas de juro reduzidas e mensalidades baixas na ligação à Internet. Na Argentina já perceberam que a dependência Microsoft apenas aumenta a saída de divisas do país. O governo argentino fomenta o desenvolvimento de software no próprio país utilizando ferramentas livres, criando assim postos de trabalho e contribuindo para o desenvolvimento do próprio país. Que tal para um choque tecnológico? Em Portugal, acho que o governo nem sequer tem conhecimento das directivas Europeias para a utilização de software livre e aberto. Se o Sr. Primeiro Ministro, na sua máquina, quer ter Windows, que o pague do seu bolso com o chorudo salário que os contribuintes lhe pagam. Nos computadores públicos não sou da mesma opinião. De certeza que se arranja outra forma de investir o dinheiro poupado nas licenças de software proprietário. O ministério da justiça vai migrar o seu parque de computadores de secretária para Linux Caixa Mágica. A poupança em licenças de software, neste caso, ascende aos 10 milhões de euros. Quantos ministérios temos? Multiplicando o número de ministérios por 10 milhões, já deve dar para construir o TGV sem desviar fundos de outros lados. Certo? Nós não somos um país rico. Muito pelo contrário. E não precisamos de ter pena do Sr. Bill Gates. Ele já tem muito dinheiro.

O Sr. Bill Gates veio de visita a Portugal. Viva!!! Vamos sair da cauda da Europa. A economia vai florescer. O desemprego vai baixar. Estamos salvos! Estamos salvos! ... É já a seguir... É que é já a seguir...


Rui Gouveia